ESTUDO DFT E EXPERIMENTAL DAS PROPRIEDADES VIBRACIONAIS DE HIDROCLORETO DE POLI(HEXAMETILENO BIGUANIDA)

Aldimar Machado Rodrigues, programa de pós-graduação em Química, Mestrando, aluno da Unifesspa, E-mail: aldimar@unifesspa.edu.br
Tarciso Silva de Andrade Filho, programa de pós-graduação em Química, Doutor, professor da Unifesspa, E-mail: tarcisofilho@unifesspa.edu.br

RESUMO
O hidrocloreto de poli(hexametileno biguanida) (PHMB) é um composto polimérico que tem sido bastante aplicado em atividades que exigem propriedades bactericidas. A literatura relata aplicação de PHMB como antisséptico em medicina dentária, no tratamento de feridas pós operatórias (seja como pomada, solução ou gel) e em curativos para ferimentos em geral. O presente trabalho caracteriza os modos vibracionais desse composto aplicando funcionais da Teoria do Funcional da Densidade (DFT) híbridos e compara os resultados teóricos com resultados experimentais. Os resultados teóricos reproduzem bem as observações experimentais, especialmente em meio aquoso. 
Palavras-chave: PHMB. B3LYP. M06-2X.

INTRODUÇÃO 
O hidrocloreto de poli(hexametileno biguanida) (PHMB) é um composto polimérico que tem sido bastante aplicado em atividades que exigem propriedades bactericidas. A literatura relata excelentes efeitos antimicrobianos tanto contra bactérias Gram-positivas quanto contra bactérias Gram-negativas (NASCIMENTO, et al. 2008). 

A Teoria do Funcional da Densidade (DFT), assim como uma grande variedade de métodos quânticos existentes atualmente, emprega uma solução para o Hamiltoniano eletrônico da equação de Schrodinger. O método se destaca principalmente pela abordagem da problemática eletrônica em termos de densidade de carga. A DFT é um dos métodos quânticos mais aplicados atualmente para estudar as propriedades dos materiais devido sua simplicidade, precisão e baixo custo computacional em comparação com outros métodos quânticos. 

Desse modo, o presente trabalho emprega a DFT como ferramenta teórica para o estudo das propriedades vibracionais do PHMB e compara esses resultados com observações experimentais. 

METODOLOGIA
Teórica
A estrutura de PHMB foi construída utilizando o software de modelagem molecular Avogadro 1.2.0 (HANWELL et al., 2012). As simulações deste trabalho foram realizadas para sistemas contendo apenas um monômero do polímero PHMB e com as valências dos carbonos completas, ou seja, cada um fazendo quatro ligações, conforme a figura 1.

Figura 1- Estrutura de PHMB submetido aos primeiros cálculos de optimização da geometria.
Os cálculos teóricos foram realizados por meio da aplicação da Teoria do Funcional da Densidade (DFT) utilizando os funcionais híbridos de troca-correlação B3LYP e M06-2X acoplados ao conjunto de bases 6-31++(d,p) (B3LYP/6-31++G(d,p) e M06-2X/6-31++G(d,p)).

Os cálculos teóricos foram efetuados com o software Gaussian 09 (FRISCH, 2009). Primeiramente foi realizada a optimização geométrica da estrutura estudada com cada um dos funcionais testados. Cada uma das estruturas optimizadas, obtidas dos procedimentos com os funcionais B3LYP e M06-2X, seguiu para cálculos de frequências no infravermelho (IR), mantendo-se, para cada caso, o mesmo funcional e conjunto de bases da optimização geométrica. Para simular o efeito de solvatação da água em PHMB, foi ativado o Modelo de Contínuo Polarizável (PCM) no Gaussian 09. A aplicação desse modelo permite que os cálculos sejam realizados considerando um potencial de interação implícita entre o soluto e o solvente. O comando SCRF solicita a presença de um solvente e, consequentemente, ativa o método padrão, PCM. Para esse procedimento, aplicou-se o conjunto M06-2X/6-31++G(d,p).

Experimental 
A solução aquosa de PHMB (POLYBAC) produzida pela Polyorganic® Tecnologia LTDA foi colocada em um Becker e deixada em uma estufa a uma temperatura de 100 °C por 24 horas até que a água evaporasse completamente, obtendo-se um filme de PHMB. Desse filme sólido, foram obtidas amostras do material puro e em solução aquosa a 10% m/m para os testes de FT-IR. Os espectros FT-IR foram obtidos usando um Agilent Cary 630, modo Attenuated Total Reflectance (ATR), usando a interface de amostra Diamond ATR, com resolução espectral < 2 cm-1. Os espectros foram adquiridos entre 650-4000 cm-1 e processados ​​com o software Microlab FTIR (Agilent Technologies). 

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Em fase gasosa/puro
De modo geral, os espectros experimentais e teóricos são similares até, aproximadamente, 1800 cm-1. Alguns picos aparecem um pouco deslocalizados quando os resultados são comparados, mas sempre estão em uma faixa do espectro eletromagnético onde a literatura prevê a aparição de determinada vibração (SILVERSTEIN; WEBSTER; KIEMLE, 2013 e PAVIA et al., 2010).

Uma banda entre 800 e 900 cm-1 no espectro experimental apresenta deformações N-H (SILVERSTEIN; WEBSTER; KIEMLE, 2013). Por volta dessa mesma região deformações N-H aparecem combinadas com deformações C-N e C-H nos resultados teóricos. 

Estiramentos C-N ocorrem entre 1300 e 1500 cm-1. O resultado IR teórico B3LYP também mostra esse estiramento na mesma faixa que o espectro experimental, mas combinado com outros tipos de vibrações, como ρCH2/CH3 e δN-H. E o resultado IR teórico M06-2X apresenta esse estiramento um pouco depois de 1300 cm-1. Deformações (δ) tipo tesoura (sc) e tipo balanço (ρ) de grupos CH2 e CH3 (scCH2/CH3 e ρCH2/CH3) são observadas tanto no espectro IR experimental quanto nos teóricos por volta de 1500 cm-1.

Bandas relativas a estiramentos C-N e C=N (ѴC-N e ѴC=N) no espectro IR experimental surgem entre 1550 e 1650 cm-1. Nos resultados teóricos IR esses estiramentos começam a aparecer em frequências um pouco mais alta, entre 1580 e 1720 cm-1 para o espectro obtido dos cálculos com B3LYP e 1650 e 1790 cm-1 para o espectro obtido dos cálculos com M06-2X. 

Nas proximidades de 2200 cm-1 aparece uma banda, não muito discreta, no espectro experimental IR. Esse sinal não é detectado em nenhum dos resultados teóricos. De acordo com a literatura (PAVIA et al., 2010), essa banda corresponde a um estiramento de grupo nitrila (ѴC≡N). É esperado que grupos nitrila (C≡N) apareçam em algumas “pontas’ de cadeias carbônicas que compõem o polímero PHMB. Entretanto, no sistema modelado para os cálculos teóricos desse trabalho não foram incluídos os grupos C≡N, pois não fazem parte da unidade básica de repetição do material polimérico, configurando-se como uma variação que pode ocorrer no material real. 

Por volta de 2500 cm-1 (2468 cm-1 nos resultados B3LYP e 2550 cm-1 nos resultados M06-2X) os espetros teóricos IR e Raman apresentam uma banda intensa que não é visualizada nos resultados experimentais para essa mesma região. Trata-se de um estiramento entre N6 e H23 (ѴN---H), em que N6 corresponde ao nitrogênio que mais fortemente sofreu o efeito de protonação do sistema biguanida e H23 é o núcleo de hidrogênio. O resultado teórico está de acordo com a literatura, uma vez que a mesma aponta que estiramentos em ligações N-H em nitrogênios protonados ocorrem a partir de 2000 cm-1(SILVERSTEIN; WEBSTER; KIEMLE, 2013). No resultado experimental esse sinal aparece apenas nas proximidades de 3200 cm-1.

Em solução aquosa
As bandas experimentais são fielmente reproduzidas no espectro teórico M06-2X. A banda de Ѵ(N---H) que ocorre em 2550 cm-1 no resultado M06-2X é deslocada para 3280 cm-1 em solução aquosa. A diferença a se destacar é o fato de as bandas no resultado teórico estar deslocado para frequências maiores do que suas correspondentes no resultado experimental. 

Fazendo um comparativo entre os espectros teórico e experimental, percebe-se que entre 500 e 1000 cm-1 existem bandas decorrentes de deformações (δ(N-H), δ(C-N), δ(C-H) e δ(ρCH2/CH3)) no espectro teórico, enquanto no espectro experimental é observado apenas certo sinal que deve corresponder a algumas dessas deformações nas proximidades de 600 cm-1. 

Banda um pouco antes de 1200 cm-1 correspondente a estiramento C-N (Ѵ(C-N)) do espetro experimental é reproduzida no espectro teórico em 1300 cm-1. Os modos vibracionais δ(scCH2/CH3), Ѵ(C-N) e Ѵ(C=N) são identificados, na respectiva ordem, pelas bandas entre 1300 e 1700 cm-1 no resultado experimental e reproduzidos entre 1500 e 1800 cm-1 no teórico. Duas bandas de estiramentos C-H (Ѵ(C-H)) do espectro experimental entre 2800 e 3000 cm-1 reproduzem-se no teórico entre 3000 e 3200 cm-1. E as bandas de estiramentos N-H (Ѵ(N-H)), excluindo a banda de Ѵ(N---H) em 3280 cm-1, aparecem no espectro teórico somente acima de 3500 cm-1, enquanto no experimental devem estar entre 3200 e 3600 cm-1, entretanto, são mascaradas parcialmente pela intensa banda de estiramento O-H (Ѵ(O-H)) da água que ocorre na mesma região.

CONCLUSÃO
Os resultados teóricos em fase gasosa de infravermelho concordam bem com o resultado experimental para ambos os funcionais DFT testados. Contudo, o resultado teórico em solução aquosa obtido dos cálculos com M06-2X apresenta maior concordância com o resultado experimental.

REFERÊNCIAS
Nascimento, A. P., Maria, J., Tanomaru, G. & Matoba-júnior, F. Maximum Inhibitory Dilution of Mouthwashes Containing Chlorhexidine and. J. Appl. Oral Sci. 16, 336–339 (2008).

Silverstein, R. M.; Webster, F. X.; Kiemle, D. J. Identificação espectrofotométrica de compostos orgânicos. (2013).

Pavia, D. L., Lampman, G. M., Kriz, G. S., & Vyvyan, J. R. Introdução à espectroscopia. (2010).

M. J. Frisch, G. W. Trucks, H. B. Schlegel, G. E. Scuseria, M. A. Robb, J. R. Cheeseman, G. Scalmani, V. Barone, G. A. Petersson, H. Nakatsuji, X. Li, M. Caricato, A. Marenich, J. Bloino, B. G. Janesko, R. Gomperts, B. Mennucci, H. P. Hratchian, J. V. Ort, and D. J. F. Gaussian 09. (2009).

Marcus D Hanwell, Donald E Curtis, David C Lonie, Tim Vandermeersch, E. Z. and G. R. H. Avogadro: An advanced semantic chemical editor, visualization, and analysis platform. Journal of Cheminformatics 4, 17 (2012).

Comentários

  1. Olá Aldimar, tudo bem!
    Primeiro gostaria de parabenizar pelo trabalho, muito interessante e bem escrito.
    Olhando para a figura do seu trabalho, observei que a estrutura do PHMB pode sofre efeito de ressonância. Falo isso devido ao fato de que o N5 tem carga formal +1, logo, a densidade eletrônica da ligação dupla N5=C5 tende a ficar ainda mais próxima deste átomo (N5), deixando assim o C5 com uma carga parcial positiva que pode ser estabilizada pelo par de elétrons livre do átomo N7. Tal efeito é observado em seus espectros IR? como por exemplo, um número de picos relacionados a estiramentos C=N maior do que seria esperado para uma estrutura com somente duas ligações C=N.

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    Respostas
    1. Esqueci de me identificar rsrs
      by Junior Raiol

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    2. Obrigado pela pergunta, Raiol!

      De fato a ressonância que você menciona ocorre. No sistema com as posições atômicas optimizadas , avaliando os comprimentos de ligação e até mesmo a ilustração da estrutura apresentada pelos pacotes de modelagem molecular, a gente consegue perceber esse deslocamento de elétrons pi nas ligações C=N. O espectro vibracional também reproduz isso. As ligações C=N com ressonância sofrem estiramentos em frequências um pouco inferiores do que sofreriam em grupos C=N sem ressonância, dando a entender que a densidade eletrônica dos elétrons pi dessas ligações não se distribui exclusivamente entre um par específico de átomos, tornando a ligação menos forte do que seria se não houvesse a ressonância.

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