ENSINO DE QUÍMICA E LETRAMENTO CIENTÍFICO: NARRATIVA DE PROFESSORES ATUANTES EM CENTROS DE RECUPERAÇÃO DO ESTADO DO PARÁ
Dhaniella Cristhina de Brito Oliveira1
Danielle Rodrigues Monteiro da Costa2
Maria Inês de Freitas Petrucci dos Santos Rosa3
1Discente do Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Matemática – PPGECM/Unifesspa, Mestranda, dhaniella.oliveira@unifesspa.edu.br
2Docente do PPGECM-UNIFESSPA, Doutora, danymont@uepa.br
3Docente e Coordenadora do Programa de Pós Graduação Multiunidades de Ensino de Ciências e Matemática da UNICAMP , Doutora, inesros@unicamp.br
Resumo:
A partir do entendimento de que o conhecimento químico pode apresentar relação com o desenvolvimento da cidadania, o objetivo da presente pesquisa foi investigar como professores atuantes em presídios do Estado do Pará buscam favorecer o letramento científico e tecnológico dos estudantes apenados. Para isso entrevistamos dois professores. As entrevistas foram gravadas em áudio e transformadas em mônadas - dispositivo metodológico da teoria narrativa. Como resultados são apresentadas aqui 4 mônadas, que foram analisadas a partir do estabelecimento de eixos temáticos. Os resultados demonstram que, os professores exercem à docência de modo que o conteúdo da grade curricular utilizada seja relacionado diretamente com o contexto de vida dos alunos e que favoreça a tomada de decisão, tanto pessoal quanto coletiva, consciente mediante o conhecimento dos conteúdos químicos. Em conclusão ressaltamos a importância de um Ensino de Química voltado ao desenvolvimento do letramento científico e tecnológico deste público.
Palavras-chave: Ensino de Química. Letramento Científico e Tecnológico. Narrativas Docentes.
Introdução
O sistema prisional brasileiro apresenta como principal objetivo, da aplicação da pena de restrição de liberdade, reeducar as pessoas presas para a posterior reinserção social, com melhores atitudes e valores pessoais e sociais. Para atingir este objetivo a reeducação dessas pessoas ocorre por meio de diferentes atividades educativas, as quais entre elas está a ofertada de educação formal que em muitos Estados brasileiros, assim como no Estado do Pará, ocorre por meio da modalidade de Educação de Jovens e Adultos – EJA (Pará, 2020). Nesta educação estão inseridos diferentes conteúdos da grade curricular da disciplina de Química.
Entre as discussões existentes em relação aos objetivos do ensino de Química nas escolas brasileiras, diferentes autores concordam que os conteúdos químicos devem ser ensinados de modo a facilitar a compreensão dos estudantes quanto aos diferentes acontecimentos científico, tecnológico e sociais ocorrentes a sua volta (Silva, 2014). O que permite, segundo eles, que os alunos desenvolvam a capacidade de julgamento quanto aos aspectos positivos e negativos de mudanças e inovações tecnológicas e utilizem os conhecimentos científicos adquiridos na disciplina para participarem ativamente em diferentes discussões de cunho pessoal ou social que necessitem do conhecimento químico (Chassot, 2018; Santos e Schnetzler, 1996). Com isso, podemos simplificar que o que se espera do ensino de Química é a formação de pessoas letradas cientificamente. Quanto a isso, Santos e Mortimer (2001) apresentam o termo letramento científico e tecnológico o qual segundo eles difere de alfabetização no modo restrito como está vem sendo empregado nas escolas brasileiras, e conceitua-se como a apropriação de códigos linguísticos científicos para atuação prática em sociedade (Santos, 2006).
Neste sentido, Valente (2016) que também discute sobre letramento cientifico em unidades prisionais, mas faz preferência ao uso do termo alfabetização científica, ressalta que a partir da compreensão da Ciência os alunos poderiam relacionar os conhecimentos a sua vivência e assim entender melhor o mundo em que vivem. Ela esclarece que o desenvolvimento do letramento científico e tecnológico nos estudantes apenados é de extrema importância, já que estes apresentam-se na condição de analfabeto científico, mas do que a outros, uma vez considerado que grande parte desses cidadãos não tiveram uma boa experiência educacional na infância ou adolescência.
A autora esclarece também que, o ensino de Ciência dentro ou fora de presídios, deve oportunizar aos estudantes a compreensão de termos básicos da Ciência que possam auxilia-los na compreensão de informações e situações cotidianas que envolvam conceitos científicos ou conhecimentos provenientes destes. Assim, propiciar aos alunos a compreensão da natureza da ciência e dos fatores éticos e políticos envolvidos, bem como refletir e analisar problemas do cotidiano que necessitem de conceitos científicos ou conhecimentos desenvolvidos a partir destes deveria ser o principal foco do ensino de ciências nestes ambientes.
Compreendemos, porém, que o letramento científico é um processo que perpassa toda a vida. Devido a isso ressaltamos que não cabe somente a escola o seu desenvolvimento, mas no período de escolarização as salas de aulas são ambientes propícios a sistematização de conhecimentos e desenvolvimento de habilidades nesta perspectiva. Desta forma a pesquisa, aqui apresentada, o qual é um recorte de uma pesquisa mais ampla, teve como objetivo investigar como professores atuantes em presídios do Estado do Pará buscam, por meio de suas práticas pedagógicas, favorecer o letramento científico e tecnológico dos estudantes apenados.
Metodologia
A presente pesquisa seguiu uma perspectiva de pesquisa qualitativa, o qual embasou-se em teóricos do campo dos estudos narrativos. Os colaboradores da pesquisa foram dois professores de Química atuantes em presídios há 10 e 5 anos, os quais mediante entrevista com questionamentos orais narraram suas vivências como docentes em presídios. Neste texto os professores são identificados como P10 e P5 os quais tem relação direta com o tempo de experiencia docente no ensino de Química em unidades prisionais do Estado do Pará. As narrativas foram gravadas em áudio, transcritas e transformadas em mônadas – dispositivo metodológico da teoria narrativa. As mônadas apresentadas na seção a seguir são recortes de outras maiores, considerando, no entanto, a essência da história narrada. Esta pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisas em Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual de Campinas – CHS/UNICAMP através da Plataforma Brasil.
Resultados e Discussão
Este estilo de pesquisa requer que os resultados sejam apresentados separadamente de suas discussões, uma vez considerado que a análise dos resultados parte principalmente das experiências e vivências pessoais de cada indivíduo. Desta forma, apresentamos inicialmente todas as narrativas dos entrevistados e em sequência a análise dos dados.
Mônadas entrevistado P5:
Experimentos
“A gente tem que se adaptar a rotina de cada casa penal (...). Experimentos dentro de uma casa penal são para a segurança da casa algo perigoso (...). Então por conta disso, as questões relacionadas a experimentos práticos praticamente inexistem. Então utilizamos os exemplos práticos do dia-a-dia. Conversando, numa espécie de palestra científica a gente procura alfabetizá-los cientificamente.”
Conteúdos
“Seleciono alguns pontos que eu acho que são contundentes, que são importantes e em cima daquilo a gente vai trabalhar. Sempre com cuidado para não tentar entupir o aluno de conteúdo e você não ter uma resposta deles.”
Mônadas entrevistado P10:
Trabalho com textos
“Trabalho a Química toda com leitura, dou conteúdo todinho conciliando com texto. Se eu não fizer isso eu não saio do lugar, do ponto zero. Não aumento a escala de conhecimento deles em hipótese alguma. Então a minha metodologia é baseada em texto, é contextualizada todinha. Após essa leitura contextualizada concilio com as fórmulas químicas, com os gráficos, tabelas.”
A aula é aqui
“Tudo parte do meio deles, da vida social deles. Até chegar em um ponto que eu digo: a aula é aqui. E fazemos provas, cálculos, fazemos tudo que se tem direito. Mas tem que partir do contexto, principalmente da leitura.”
A partir da identificação de alguns eixos emergentes das narrativas, tais como: roda de conversa; pontos relevantes; leitura de textos e vivência. Podemos perceber que, mesmo sem explicitarem conhecer o significado teórico de letramento científico e tecnológico os professores entrevistados utilizam de diferentes didáticas de ensino que podem está favorecendo o processo de letramento científico e tecnológico dos estudantes.
De acordo com Santos e coautores (1992, 2011; Mortimer 2001, 2009), para o desenvolvimento de habilidades e competências relacionadas ao letramento científico e tecnológico é necessário um ensino de Química que favoreça o desenvolvimento da capacidade de reconhecimento das informações científicas presentes em redações textuais, jornais ou artigos, bem como saber julgar estas informações de maneira consciente. É necessário ainda discutir questões relacionadas a qualidade de vida e meio ambiente, apresentando principalmente como a vivência dos estudantes pode ser afetada por diferentes condições de mudança no cenário científico, econômico e tecnológico. Além de discutir os direitos fundamentais dessas pessoas a partir de diferentes abordagens de conteúdo químico que auxiliem os alunos a visualizarem mais claramente questões relacionadas a infraestrutura, alimentação entre outros.
Conclusão
Neste trabalho buscamos investigar como professores atuantes em presídios do Estado do Pará buscam, por meio de seu exercício docente, favorecer o letramento científico e tecnológico dos estudantes apenados. Em um primeiro momento apresentamos a noção de letramento científico e tecnológico, bem como a metodologia de pesquisa utilizada neste trabalho, que faz parte de uma pesquisa mais ampla. Após, apresentamos a narrativa dos docentes entrevistados e discutimos a partir das lentes teórica de Santos como os métodos de ensino realizado pelos professores pode favorecer o desenvolvimento do letramento científico e tecnológico dos estudantes apenados. Assim, ressaltamos a necessidade de pensar um ensino de Química que desperte nos alunos habilidades e competências voltadas ao desenvolvimento do letramento científico e tecnológico, mais especificamente como modo de exercício da cidadania.
REFERÊNCIAS
CHASSOT, A. Alfabetização Cientifica: questões e desafios para a educação. 8 ed. Ijuí: Ed. Unijuí, 2018. 360p Coleção Educação em ciências.
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SANTOS, W. L. P. A química e a formação para a cidadania. Educ. quím., v. 22, n. 4, p. 300-305, out. 2011. Disponível em: http://www.scielo.org.mx/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0187-893X2011000400004 Acesso em: nov. 2019
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